Farc libertam últimos reféns militares, mas centenas continuam em cativeiro
Por marciobasso 03/04/2012 - 12h16
Os dez reféns que viviam há mais tempo sob poder das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) foram libertados nesta segunda-feira, em uma operação executada por militares brasileiros, na selva colombiana.
Os dez reféns, os últimos militares e policiais detidos pelo grupo guerrilheiro, já estão seguindo ao encontro de suas respectivas famílias, que os esperam no aeroporto de Villavicencio, capital do Departamento (Província) de Meta, no centro do país.
A libertação, considerada por analistas colombianos como sinal de debilidade do grupo e um considerável gesto de boa vontade em favor da paz, foi realizada de uma só vez e surpreendeu a todos, já que, inicialmente, o resgate dos dez sequestrados seria realizado em duas etapas.
Com isso ganharam a liberdade os policiais e militares César Augusto Masso, Luiz Antonio Beltrán, Carlos José Duarte, Jorge Romero Romero, Jorge Trujillo Solarte, José Libardo Forero, Luis Arturo Arcia, Robinson Salcedo Guarín, Wilson Rojas Medina e Luis Alfredo Moreno. A maioria deles com 14 ou 13 anos de cativeiro (sequestrados em 1998 e 1999).
A guerrilha levou os reféns até as coordenadas combinadas na selva colombiana, próxima a cidade de Mapiripán (Departamento de Meta). Depois do primeiro encontro com familiares (filhos, pais e esposas), em Villavicencio, os oficiais libertados partirão para Bogotá, em um avião da Força Aérea Colombiana, com os familiares. Na capital, eles serão recebidos na base aérea de Bogotá.
O resgate aconteceu no mesmo Departamento onde, na semana passada, o Exército colombiano matou 36 guerrilheiros (seis deles, comandantes de frentes), depois de uma operação militar.
Missão
A operação teve a participação do Exército brasileiro, que cedeu dois helicópteros e 22 homens para a missão. Funcionários da Cruz Vermelha Colombiana e a ex-senadora Piedad Córdoba, presidente da ONG Colombianos por la Paz e interlocutora das Farc, participaram do resgate.
É a quarta vez que o governo brasileiro colabora com liberação de reféns das Farc. Em Villavicencio, a Cruz Vermelha entregou oficialmente os resgatados aos familiares e a dois oficiais do Exército.
Somente os oficiais brasileiros, que conduziram a aeronave, dois integrantes do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, dois generais (um da Polícia e outro do Exército da Colômbia), além de Piedad Córdoba e a diretora da Casa da Mulher de Bogotá, Olga Amparo, viajaram até o local do resgate, na selva colombiana.
Devido ao mau tempo, os helicópteros demoram cerca de duas horas para sair de Villavicencio em direção ao local do resgate. Mas depois disso, segundo a Cruz Vermelha, tudo aconteceu dentro do previsto e no meio da tarde os oficiais já estavam com a comitiva da missão humanitária.
A operação começou no domingo, quando os helicópteros do Exército brasileiro decolaram de São Gabriel da Cachoeira (AM) em direção a Villavicencio. As operações militares do governo colombiano foram então suspensas na região, cumprindo os protocolos de segurança. O cessar-fogo permanece em vigor até às 6 da manhã desta terça-feira.
Segundo fontes do Exército colombiano, os reféns vieram de diferentes regiões de país, já que nos últimos tempos as Farc haviam optado por deixá-los sob responsabilidade de frentes diferentes. O deslocamento de alguns desses reféns começou há pelo menos dois meses, para que eles pudessem chegar a tempo até o local do resgate.
Expectativa
Familiares, políticos e ONGs, além da imprensa local e internacional, concentraram-se em Villavicencio. Na noite de domingo foi realizada uma missa na catedral da cidade.
Enquanto os familiares esperavam para reencontrá-los em liberdade, os oficiais libertados também foram “preparados” para o encontro.
A Cruz Vermelha informou que levou fotos recentes das famílias para que eles pudessem, já no helicóptero, ter uma visão “atualizada” de seus parentes antes de vê-los de novo.
É o caso também do tenente Wilson Rojas Medina. A filha dele, Natalia Rojas, agora com 17 anos, tinha apenas 4 anos de idade quando o oficial foi capturado. Nas redes sociais, a adolescente mobilizava os amigos e pediu “orações” para que tudo corresse bem.
Além de médicos, o governo colombiano também colocou a postos, na cidade de Villavicencio, psicólogos que estão disponíveis para qualquer problema dos recém-libertados.
Negociações
Com a liberação dos últimos reféns militares e policiais, cresce a pressão para que o governo colombiano reconheça a libertação unilateral dos colombianos como um “gesto de paz”.
A ex-senadora Piedad Córdoba e o ex-presidente Ernesto Samper pediram em Villavicencio que o presidente Juan Manuel Santos se manifeste e reconheça o gesto das Farc como ato de boa vontade.
Acadêmicos e ONGs estudiosas do conflito também pressionam o governo, pedindo maior “abertura” para o diálogo a partir de agora.
Para analistas, este é um momento também para que a guerrilha possa se pronunciar e “dar mais um passo” em direção ao diálogo, trocando gradualmente a política de guerra por uma política de paz.
O analista da Corporación Nuevo Arco-Íris, Ariel Ávila, estudioso do conflito armado colombiano, disse à BBC Brasil que vê a libertação como um “gesto contundente” das Farc no sentido de querer dialogar.
“Com certeza as Farc vão cobrar do governo agora, que sempre dizia que não via vontade de paz na guerrilha”, diz Ávila.
“Claro que o governo não responderá rapidamente com um chamado à paz, mas vivemos um momento em que os dois lados parecem querer caminhar para isso”, afirmou.
Reféns civis
Uma das revindicações pendentes do lado da guerrilha é a visita aos presos das Farc.
A ex-senadora Piedad Córdoba e um grupo de mulheres, dentre elas a brasileira Socorro Gomes, presidente do Conselho Mundial pela Paz, esperam permissão do governo colombiano para visitarem os presídios do país.
Por outro lado, as Farc também são pressionadas para que se manifestem sobre os sequestrados civis. Os números são controversos, mas segundo a ONG País Libre existem 405 civis sequestrados pelas Farc, dos quais não se tem notícia.
ONGs e parentes desses sequestrados aproveitaram a ocasião da liberação dos prisioneiros militares para pedir que os civis não sejam esquecidos e que a guerrilha apresente uma lista com nomes daqueles que possam estar em seu poder ou que informem o local onde foram mortos e enterrados.
De Bogotá para a BBC Brasil