Rede Novo Tempo de Comunicação

Lifestyle Letters: “Estilo de Vida: Fundamento Adventista de Saúde”

Vida e Saúde


Por vidaesaude 04/08/2020 - 11h10
Faça download deste conteúdo:Baixar

Autores: Leslie Andrews Portes e Natália Cristina de Oliveira

Segundo o relato bíblico, após a criação do mundo (Gênesis 1:1-28), Deus prescreveu a dieta para os seres humanos (v.29) e para os animais (v.30): “Eis que lhes dou todas as plantas que nascem em toda a terra e produzem sementes, e todas as árvores que dão frutos com sementes. Elas servirão de alimento para vocês”. “E dou todos os vegetais como alimento a tudo o que tem em si fôlego de vida: a todos os grandes animais da terra, a todas as aves do céu e a todas as criaturas que se movem rente ao chão”. A ênfase do texto é: “isso vos será para mantimento”.

Especula-se que Deus alterou a dieta original, autorizando o consumo de carnes (Gênesis 9:3): “Tudo o que vive e se move lhes servirá de alimento. Assim como lhes dei os vegetais, agora lhes dou todas as coisas”. Para muitos Levítico 11 e Deuteronômio 14 deixa clara a alteração na dieta. ❶Teria Deus mudado de ideia?As duas recomendações dietéticas merecem detalhada análise, pois podem indicar que o Estilo de Vida bíblico sofreu profundas alterações. Outras questões importantes incluem: ❷O plano original teria que ser mudado por conta do pecado? ❸Deus teria mesmo alterado Seu plano dietético aos seres humanos ou a alteração era apenas provisória? Ainda, visto que o ser humano já desenvolvera o hábito de consumo de carnes, antes mesmo do dilúvio, ❹seriam as restrições de Deus orientações de saúde, ou, mais que isso, ❺seriam restrições relacionadas à religiosidade e/ou espiritualidade, ou ambas?

A distinção entre animais limpos e não limpos era para a santidade do povo

Ao final de Levítico 11, após lista detalhada de animais que se poderiam ou não ingerir, Deus diz a Moisés: “Eu Sou o Senhor, vosso Deus; portanto, vós vos consagrareis e sereis santos, porque Eu Sou Santo; e não vos contaminareis por nenhum enxame de criaturas que se arrastam sobre a terra. Eu Sou o Senhor, que vos faço subir da terra do Egito, para que Eu seja vosso Deus; portanto, vós sereis santos, porque Eu Sou Santo” (Levítico 11:44-47). 

Em diversos outros textos (Levítico 19:2, 20:7 e 26, Deuteronômio 14:21 e 1º Pedro 1:14,15) são dadas claras orientações em relação ao comportamento e à alimentação sob a mesma perspectiva: santidade.

É importante destacar também que a lei dos animais limpos e não limpos certamente era conhecida por Noé e seus contemporâneos. Em Gênesis 7:2, antes do dilúvio, Deus disse: “Leve com você sete casais de cada espécie de animal puro (limpo), macho e fêmea, e um casal de cada espécie de animal impuro (não limpo), macho e fêmea, e leve também sete casais de aves de cada espécie, macho e fêmea, a fim de preservá-las em toda a terra.” Em uma rápida leitura, parece que os 7 pares seria para preservação sobre a terra. Se for o caso, isso indicaria que Deus desejava extinguir os animais não limpos, por levar apenas um par. Não parece lógico levar um par de cada espécie de animais não limpos se fosse para extingui-los. Parece que os 7 pares de animais limpos teriam outra função além da preservação.

Não há razão para se supor que somente Noé detivesse o conhecimento a respeito dos animais limpos e não limpos. A expressão “deixar entrar” sugere que era conhecida a distinção entre os tipos de animais. Deus os enviaria e os controlaria em direção à arca. O trabalho de Noé e sua família seria reconhecer o fenômeno e “deixar entrar”. O texto poderia ser escrito assim: “enviarei animais para você distribui-los na arca, e você deverá deixar entrar 7 pares de cada espécie dos limpos e apenas 1 par de cada espécie dos não limpos. Deixe-os entrar e organize-os”.

Após o dilúvio, Noé ofereceu sacrifícios em gratidão a Deus, por lhes conservar com vida durante e após a catástrofe, e o fez sacrificando animais e aves limpos (Gênesis 8:20). O fato de terem entrado 7 pares de animais limpos faz sentido. O dilúvio começou quando Noé tinha 600 anos, 1 mês e dezessete dias. Caiu chuva por 40 dias (Gênesis 7:11). Mais que isso. O texto informa que “nesse mesmo dia todas as fontes das grandes profundezas jorraram, e as comportas do céu se abriram”. Não foi somente chuva. Foi uma catástrofe de proporções inimagináveis. “E as águas prevaleceram sobre a terra 150 dias” (Gênesis 7:24), totalizando entre 150 e 190 dias. No 17º dia do 7º mês, ou seja, exatos 6 meses ou 180 dias após ter entrado, a arca pousou no monte Ararate. Passaram-se ainda quase 3 meses para serem vistos os cumes das montanhas (Gênesis 8:5). Noé removeu o teto da arca e viu a terra quase seca “no 1º dia do 1º mês do ano seiscentos e um da vida de Noé”, e viram que a superfície da terra estava seca (Gênesis 8:13).  Um mês e 27 dias depois Noé, sua família e os animais foram autorizados a sair de dentro da arca (Gênesis 8:14). Faz todo o sentido agora que fossem colocados dentro da arca 7 pares de cada espécie de animais limpos. Essa quantidade de animais não foi colocada para salvar as espécies. Durante mais de um ano dentro da arca esses animais serviram de alimento e, após saírem de dentro da arca, alguns foram sacrificados, pois “Noé construiu um altar dedicado ao Senhor e, tomando alguns animais e aves limpos, ofereceu-os como holocausto, queimando-os sobre o altar” em gratidão a Deus, por lhes conservar com vida durante e após a catástrofe (Gênesis 8:20). Animais para o sacrifício deveriam ser especiais (limpos), indicando mais uma vez a santidade do ato.

Indicações de que Gênesis 9:3 foi uma autorização provisória

A transitoriedade da autorização para comer carne é compreensível, visto que, após mais de um ano de catástrofe (Gênesis 7:11 e 8:13), toda a vegetação sobre a terra estava destruída. Possivelmente havia palha e cereais para os animais, mas para Noé e sua família, apenas os cereais e a carne seriam alimentos. Não se deve descartar a ideia de que Noé e sua família fossem habituados a comer carne e, portanto, a recomendação de Deus foi um reforço.

A noção de que o alimento cárneo não foi estabelecido por Deus, mas apenas autorizado provisoriamente e, mesmo assim, com muitas restrições, também é depreendida das profecias de Isaías, sobre os novos céus e a nova terra que Deus prometeu preparar (Isaías 11:6-9 e 65:17) e para onde prometeu levar seus filhos (João 14:1-3). Isaías diz que o lobo morará com o cordeiro, que o leopardo e o cabrito juntos se deitarão, o bezerro, o animal cevado e o leão novo viverão juntos, e a vaca e a ursa pastarão, bem como o leão e o boi comerão palha. Esses textos indicam que a alimentação de animais, hoje conhecidos como carnívoros, será vegetariana. Além disso, como para se obter a carne é necessário causar sofrimento e morte, isso não ocorrerá, pois na nova terra, “a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor…” (Apocalipse 21:4).

Daniel é exemplo de obediência à recomendação de Gênesis 1:29 e 30

A história de Daniel, Ananias, Misael e Azarias ilustra bem a questão dietética original, associada à aspectos de santidade. Como se sabe, os quatro foram levados presos à Babilônia, por Nabucodonosor, no ano 605 a. C., após este sitiar e vencer o rei Jeoiaquim, de Jerusalém. Isso havia sido profetizado por Isaías (2º Reis 20:14-18 e Isaías 39:1-7) ao rei Ezequias (entre 715 e 686 a. C.), quando de uma visita da embaixada babilônica à Jerusalém, provavelmente alguns anos entre Ezequias ter sido curado e sua morte.

Esses quatro rapazes, provavelmente com idades entre 15 e 19 anos, foram escolhidos por serem da linhagem real (Daniel 1:3), sem defeito algum, bonitos e de porte nobre, com elevado nível de educação, e que tivessem habilidades especiais para assistirem no Palácio do rei (Daniel 1:4). Eles deveriam ser educados na língua, costumes e conhecimentos dos caldeus. Os textos deixam claro que esses rapazes foram castrados (2º Reis 20:18 e Isaías 39:7) e deixados sob os cuidados do chefe dos eunucos (Daniel 1:3 e 7).

Quando Nabucodonosor determinou que os jovens fossem alimentados com o que havia de melhor, da sua própria mesa, os quatro rapazes, provavelmente liderados por Daniel (Daniel 1:8), pediram que não fossem obrigados a isso. Não há razão para se supor que na mesa do rei havia somente carnes não limpas, o que, por si só, explicaria o pedido dos rapazes. Também seria ingenuidade imaginar que na mesa do rei houvesse somente carnes e vinho. Certamente havia ali o que de melhor existia em termos de frutas frescas, frutas secas, verduras, legumes, castanhas, sucos, água pura, além das carnes de todos os tipos, limpas e não limpas. Então porque os rapazes pediram para terem uma alimentação diferente?O fato de terem pedido que fossem alimentados por 10 dias com legumes e água é curioso. Não há razão para se supor que Daniel e seus amigos não consumissem carnes (Daniel 10:3), logo, essa não deve ter sido a razão. Parece que o problema era a comida que provinha da mesa do rei, pois certamente havia ali legumes. Possivelmente, ao se alimentarem somente de legumes e água, mesmo da mesa do rei, isso se tornasse

ofensivo aos babilônios e aos caldeus, pois recusar comer o que era oferecido seria grande ofensa. Se eles tomassem apenas os legumes e não a “porção das iguarias e o vinho de que deviam beber” (Daniel 1:15,16), os babilônicos e caldeus ficariam ofendidos e suas vidas correriam risco. Talvez, a razão para o pedido dos rapazes se relacione à condição dos alimentos ali postos, os quais deveriam ter sido sacrificados aos ídolos dos caldeus, e os rapazes não aceitariam se “contaminar” com isso. Embora esses rapazes certamente soubessem que os ídolos nada são (1º Coríntios 10:19-21), e os alimentos oferecidos a esses ídolos não teriam potencial para os contaminar, ao evitarem tais alimentos e, indiretamente, os rituais que provavelmente ocorreriam, estariam evitando participar de cerimônias dedicadas, no entendimento deles, aos demônios (1º Coríntios 10:21). Assim, é provável que o pedido dos rapazes não se referisse à saúde, mas sim a aspectos cerimoniais e rituais que envolviam aqueles alimentos. Parece-me uma boa suposição.

Alguns defendem que a escolha dietética de Daniel, Ananias, Misael e Azarias, e o período de 10 dias, os tornaram 10 vezes mais saudáveis e sábios. Esse argumento não encontra apoio no texto, pois eles foram escolhidos justamente por serem bonitos, de porte nobre, com elevado nível de educação, e que tivessem habilidades especiais para assistirem no Palácio do rei (Daniel 1:4). Também não há razão para se supor que eles não praticassem uma dieta saudável antes da prisão e sequestro. Parece mais lógico admitir que o tempo e a dieta propostos fossem suficientes para distinguir os dois grupos de rapazes. Imaginemos rapazes, e talvez moças, acostumados com a dieta dos judeus, agora ingerindo alimentos incomuns, muito vinho, tudo do melhor, com total liberdade, em meio a rituais festivos e, porque não, de orgias. Isso deve ter feito muito mal a eles, a tal ponto que ficassem muito claras as diferenças entre Daniel e seus três amigos e os demais. Aspenaz viu aí a possibilidade de crescer no favor do rei por ter cuidado adequadamente dos rapazes.

Outros aspectos de Estilo de Vida bíblico

A alimentação não é o único componente de Estilo de Vida bíblico. Muitos outros há, os quais são reconhecidos no mundo todo como promotores de saúde (Fraser, 2003). Embora os componentes mais estudados sejam a dieta, o exercício e a abstinência de fumo e álcool, o Estilo de Vida bíblico inclui: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio (Gálatas 5:22 e 23), coração compassivo, gratidão, humildade, suportar e perdoar e fé (Colossenses 3:12-17), entre outros. 

De modo geral, os estudos com Adventistas do Sétimo Dia (ASD) indicam que a expectativa de vida deles é maior do que a da população de origem. Por exemplo, Berkel e Waard (1989) verificaram que os ASD viviam 8,9 anos (homens) e 3,6 anos (mulheres) a mais que a respectiva população holandesa. Esses autores também verificaram que a mortalidade entre os ASD foi menor com relação aos ❶cânceres (mama, pulmão, cólon e reto, estômago e pâncreas), ❷doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, ❸cardiovasculares (cardíaca isquêmica e cerebrovascular), ❹sistema respiratório, ❺sinais e sintomas físicos de enfermidades e ❻causas externas de acidentes, envenenamento e violência (Tabela 1).

Tabela 1: Redução percentual nas taxas de mortalidade por doenças, entre ASD, em relação à população holandesa.

Fraser e Shavlik (2001) verificaram que os ASD californianos viviam 7,3 anos (homens) e 4,4 anos (mulheres) a mais que a população. Se esses ASD tivessem dieta vegetariana, fizessem exercício físico, tivessem índice de massa corporal adequado e não fumassem, a expectativa de vida superaria 10 anos.

Fønnebø (1992) também verificou que os ASD da Noruega experimentavam 31% (homens) e 41% (mulheres) menores taxas de mortes que a população, mas notou que isso ocorreu com aqueles que entraram na Igreja antes de 19 anos de idade. Ele notou também que, com relação às doenças cardiovasculares, as reduções foram de 56% e 48%, respectivamente.

É possível afirmar que o Estilo de Vida ASD prolonga a vida e reduz a mortalidade por várias doenças, consideradas, hoje, as principais causas de óbito no mundo. É surpreendente que tal Estilo de Vida tenha suas origens em registros tão antigos como a Bíblia. Adicionalmente, há sólidas indicações de que quanto maior o tempo de exposição às orientações bíblicas, maior a longevidade.

Referências Bibliográficas

Berkel J, de Waard F. Mortality pattern and life expectancy of Seventh-Day Adventists in the Netherlands. Int J Epidemiol, 1989;12(4): 455-9.

Fønnebø V. Mortality in Norwegian Seventh-Day Adventists 1962-1986. J Clin Epidemiol, 1992;45(2): 157-67.

Fraser GE, Shavlik DJ. Ten Years of life: Is it a matter of choice? Arch Intern Med, 2001; 161:1.645-52.

Fraser GE. Diet, life expectancy, and chronic disease: studies of Seventh-Day Adventists and other vegetarians. Nova York: Oxford University Press, 2003.