Debate com um imortalista
A crença na imortalidade natural da alma tem sido abandonada por teólogos protestantes e católicos, por estes se voltarem para a antropologia bíblica e compreenderem que o ser humano é um ser integral, “holístico”, cuja natureza não dá margem para a separação entre “corpo”, “alma” e “espírito”. Veja mais detalhes neste debate que tive com um teólogo sincero.
Na Mira da Verdade
Por jeferson 27/01/2016 - 10h58
Introdução
Há algum tempo recebi os comentários de um irmão, doutor em Teologia, que crê na imortalidade natural da alma e, consequentemente, no “tormento eterno”. Logo abaixo transcrevo a resposta dada a ele para lhe ajudar, leitor (a), a ter uma metodologia a mais para a compreensão e ensino da doutrina bíblica da imortalidade condicional da alma[1], e consequente aniquilação dos ímpios.
Entre outras coisas, ele alegou que o que apresentei no programa “Na Mira da Verdade” era um ensino “herético”, não bíblico. Para comprovar sua alegação, citou textos como Mateus 10:28, Lucas 16:22, 23:43, 16:22, Filipenses 1:23 e Apocalipse 6:9 e 14:11. Além disso, afirmou que o “aniquilacionismo” (crença de que os maus serão totalmente aniquilados ou destruídos) apresenta a Deus como sendo incapaz de resolver o problema do pecado.
A resposta começará meio “seca”, porém, isso se dará porque tirei a saudação inicial e fui direto ao ponto neste post. Oro para que este bom debate (para o qual ainda não tive retorno) lhe seja útil.
Parte 1
Diversos teólogos têm mudado de opinião quanto à imortalidade natural da alma por perceberem que a antropologia bíblica é bem diferente da antropologia grega, que infelizmente acabou influenciado o cristianismo. Creio que ao apresentar alguns desses teólogos, isso o ajudará a perceber que minha abordagem ao tema no programa “Na Mira da Verdade” não é herética, mas partilhada por teólogos protestantes (e católicos) bastante conhecidos no meio acadêmico.
Em 1956, Oscar Cullmann (Luterano) em uma conferência apresentada na Capela Andover, Universidade de Harvard, argumentou que o entendimento de Platão a respeito da imortalidade da alma, e o ensino cristão da ressurreição dos mortos são totalmente antagônicos. Entre outras coisas, ele afirmou:
“A antropologia do Novo Testamento não é grega, mas está conectada com as concepções judaicas. Para os conceitos de corpo, alma, carne e espírito […], o Novo Testamento usa, sem dúvida, as mesmas palavras que os filósofos gregos. Mas elas significam algo bem diferente, e compreendemos todo o Novo Testamento distorcidamente, quando construímos conceitos apenas do ponto de vista do pensamento grego. Muitas incompreensões surgem assim”.[2]
Ele destaca que “nós não somos libertados do corpo [afinal, ele é considerado do “templo do Espírito”, não a “prisão da alma”, como ensinava Platão – ver 1Co 6:19,20]; pelo contrário, o próprio corpo é libertado […] A alma não é imortal. Deve haver ressurreição para ambos; pois desde a queda o homem todo ser está ‘permeado pela corrupção’”.[3]
À luz da antropologia bíblica que, segundo Cullmann (entre outros que mencionarei) é holística, ao invés de dualística ou tricotomista, podemos compreender melhor (novamente citando o referido teólogo) textos paulinos mencionados pelo irmão em seu e-mail:
“Nem o que foi dito na cruz: ‘Hoje estarás comigo no paraíso’ (Lc 23:43), nem na parábola do homem rico, onde Lázaro é levado diretamente ao seio de Abraão (Lc 16:22), nem as palavras de Paulo: ‘Tendo o desejo de partir e estar com Cristo’ (Fp 1:23) provam, como se pretende frequentemente, que a ressurreição do corpo ocorre imediatamente após a morte do indivíduo. Em nenhum desses textos há nem mesmo uma palavra sobre a ressurreição do corpo. Em vez disso, essas cenas distintas descrevem a condição daqueles que morreram em Cristo antes do Fim – o estado intermediário no qual eles, bem como os vivos, se encontram. Todas essas cenas expressam simplesmente uma aproximação especial a Cristo, na qual se encontram aqueles que morreram em Cristo antes do Fim. Eles estão ‘com Cristo” ou ‘no paraíso’ ou no ‘seio de Abraão’ ou, de acordo com Apocalipse 6:9, ‘sob o altar’. Todas estas expressões representam simplesmente uma proximidade especial com Deus. Porém, a linguagem mais usual para Paulo é: ‘Eles estão dormindo’”.[4]
Amanhã a segunda parte estará disponível. Até lá.
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Notas e referências bibliográficas
[1] A imortalidade condicional ensina que o ser humano foi criado imortal, porém, havia uma condição para que pudesse continuar a viver para sempre: ligação íntima com Deus, a fonte de vida, e obediência a Ele (ver Gn 2:16, 17; 3:19, 22-24).
[2] Oscar Cullmann, Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos Mortos? O Testemunho do Novo Testamento (Artur Nogueira, SP: Centro de Estudos Evangélicos, 2002), p. 24.
[3] Oscar Cullman, Imortalidade da Alma ou Ressureição dos Mortos?, p.p. 26, 27.
[4] Ibidem, p.p. 36, 37.